13.6.07

O Bombeiro (Lêdo Ivo)


(quadro de Paul Gauguin, "Sermon")

"Os vespertinos de hoje divulgam ràpidamente a morte do
[bombeiro João Cristóvão da Silva
ocorrida durante o violento incêndio de ontem.
Nunca mais o veremos em seu carro vermelho
junto a escadas que subiam para o céu e para o fogo.

No Méier, alguém chorará o companheiro morto.

Ele lutava contra o fogo. E amava o perigo.
Salvou crianças, e uma fotografia o surpreendeu sobre um telhado
[que desabava.
Era o marinheiro do fogo.

No Méier, restará a companheiraque João Cristóvão da Silva acariciava com as suas mãos
[ainda quentes
de incontáveis incêndios dominados,
um talher curvado sobre o silêncio
e os vespertinos onde se fala
daquele que a morte roubou ao feérico anonimato.

João Cristóvão da Silva, a única vítima do impressionante
[incêndio de ontem,
evitou que rosas fossem devolvidas pelo fogo à sua presença
[incriada
e trabalhava imparcialmente, salvando ao mesmo tempo o piano
[e a fruta, os arquivos judiciários e as cadeiras de balanço.
Purificado pelo fogo e citado pela ordem do dia,
hoje ele é apenas uma composição mineral.

De agora em diante, quando houver incendios,
haverá no carro vermelho dos bombeiros um lugar vazio.

Em memória desse profissional do fogo ontem desaparecido
numa igreja do Méier alguém se ajoelherá
e pedirá a Deus que livre o bombeiro
do outro fogo" (1)

Lêdo Ivo (1924 - )


(1) IVO, Lêdo - Uma lira dos vinte anos. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1962. p. 39, 40.


Lêdo Ivo é, segundo as palavras de Wilson Martins, o responsável pelo regresso da emoção à poesia brasileira que estava, na altura, impregnada de certos tiques modernistas que a tornavam mais técnica e escolar. O seu primeiro livro de poesias, As Imaginações (1944) foi importante para esse reavivar emocional. Lêdo Ivo foi sempre bastante crítico da poesia divulgada pela Geração de 45, que considerava um mostruário de banalidades, falsa profundidade e academismo.(retirado do site http://www.revista.agulha.nom.br/wilsonmartins136.html)


Jorge Vicente