6.11.08

os três tipos de doentes



(quadro de emil nolde, "patient, doctor, death and the devil", 1911)


"Depois da minha experiência com os Simontons, com a ajuda da minha mulher, Bobbie, e de Marcia Eager, então enfermeira no meu consultório, iniciei um grupo de terapia chamado Pacientes de Cancro Excepcionais (ECaP), para ajudar as pessoas a mobilizar todos os seus recursos contra a doença. Adoptámos como manual o livro recentemente publicado dos Simontons, Getting Well Again, e enviámos centenas de cartas a doentes. A carta sugeria que os podíamos ajudar a viver melhor e mais tempo através das técnicas que os ECap lhes ensinaria. Esperávamos centenas de respostas. Pensávamos que todos os que recebessem uma carta falassem com mais alguns pacientes de cancro e os trouxessem à reunião. Afinal de contas, pensava eu, viver não é o que toda a gente quer? Não há tantos doentes que vão até ao fim do mundo à procura de todas as espécies de tratamentos alternativos que ofereçam um laivo de esperança? Comecei a enervar-me acerca de como lidar com a multidão que ia aparecer.

Apareceram doze pessoas.

Foi aí que comecei a aprender, em primeira mão, como são realmente os doentes. Descobri que há três tipos.

Cerca de quinze a vinte por cento dos pacientes, inconsciente ou mesmo conscientemente, querem morrer. A certo ponto saúdam o cancro ou qualquer outra doença grave como forma de escapar aos problemas através da morte ou da doença. São estes os doentes que não manifestam sinais de tensão quando conhecem o diagnóstico. Enquanto o médico batalha para os pôr bons, eles resistem e tentam morrer. Se lhes perguntam como estão, dizem: «Óptimo.» E o que os preocupa? «Nada.»

(...)

No meio do espectro de doentes situa-se a maioria, cerca de 60 a 70 por cento. São como actores que fazem um teste de audição para um papel. Actuam para satisfazer o médico. Agem consoante o que julgam que o médico quer, na esperança de que assim o médico faça o trabalho todo e os remédios não saibam mal. Tomam os comprimidos religiosamente e comparecem nas consultas. Fazem o que lhes dizem - a menos que o médico sugira mudanças radicais no seu estilo de vida - mas nunca lhes ocorre questionar as decisões do médico ou lançarem-se a fazer eles próprios coisas que «sintam acertadas.» São pessoas que, perante a escolha, preferiam ser operadas a trabalhar activamente para se curarem.

No outro extremo estão os quinze a vinte por cento que são excepcionais. Não estão a fazer testes; estão a ser eles próprios. Recusam-se a desempenhar o papel de vítimas. Quando desempenham esse papel, os doentes não conseguem ajudar-se a si próprios, pois tudo lhes é feito.

(...)

Os doentes excepcionais recusam-se a ser vítimas. Educam-se a si próprios e tornam-se especialistas em cuidar de si próprios. Questionam o médico porque querem compreender o tratamento e participar nele. Exigem dignidade, personalização e controlo, seja qual for o curso da doença.

É preciso coragem para ser excepcional. Lembro-me de uma mulher que, quando lhe disseram que tinha de ir ao serviço de radiologia, respondeu: «Não. Não me explicaram este exame.» Quando os auxiliares lhe disseram: «Pode morrer esta noite se não fizer este exame», ela disse: «Então morro esta noite, mas não saio do quarto.» Apareceu imediatemente alguém para explicar para que servia o exame.

(...)

Os pacientes excepcionais querem saber todos os pormenores dos relatórios das radiografias. Querem saber o que significa cada valor nos relatórios de análises. Um médico que aproveite essa intensa preocupação do próprio em vez de a rejeitar e estar «demasiado ocupado», melhora substancialmente as hipóteses do doente.

Os médicos devem compreender que os doentes que consideram difíceis ou não cooperantes são os que têm maior probabilidade de cura.

(...)

Para saber se detêm actualmente a perspectiva de um doente excepcional, façam a si próprios esta pergunta antes de continuarem a ler: Querem viver até aos cem? Nos ECaP descobrimos que a capacidade de ser um paciente excepcional é correctamente previsível por um «Sim!» imediato e visceral sem ses, nem mas. A maior parte das pessoas dirá: «Bem, sim, desde que garanta que terei saúde.» No entanto, as pessoas que se tornam doentes excepcionais sabem que a vida não vem com essa garantia. Aceitam de boa vontade todos os riscos e desafios. Enquanto estão vivas, sentem que controlam o seu destino e contentam-se em receber alguma felicidade para si próprias e em dar alguma as outros. Têm aquilo que os psicólogos chamam um núcleioo de controlo interior. Não temem o futuro nem acontecimentos externos. Sabem que a felicidade vem de dentro.

(...)

Acho que todos os médicos deviam ser obrigados, como parte da sua formação, a assistir a serviços de cura onde aparecem pessoas com as chamadas doenças incuráveis. Devia dizer-se aos clínicos que não estão autorizados a receitar medicação ou a pensar em operar essas pessoas, mas simplesmente que saiam e as vão ajudar. Assim os médicos aprenderiam que podem ajudar tocando, rezando ou simplesmente partilhando a nível emocional. (1)

bernie s. siegel

(1) SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pgs. 45-50.

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