21.5.09

"Sara no Labirinto" (Eugénio Outeiro)



(pintura de lehmann, "young girls reading a letter by candlelight", s/d)


"Sara achou-se no centro das paredes tortas.
Disse joguemos
- houve um abalo de terra nesse instante
mas ela não reparou -
e atravessou a primeira das paredes.

Olhou em seu redor e não viu nada:
apenas luz ou sombras a esvarar pelos muros
e diminutos pássaros a percorrer abraços.
Não sabia que isso era a metáfora do resto,
que daí nasceria o decorrer de tudo.

Deu passos devagar, e sem querê-lo
invadiu territórios caminhando as nuvens.
Chegando no outro extremo perguntou que faço?
- o sol perdeu a luz por um momento
mas ela fechara os olhos e nem deu por isso -,
aguçou bem a orelha mas só ouviu chilreios.

A falta de respostas atravessou a parede.

Do outro lado era a sala de percorrer distâncias.
Disse este é o meu lugar,
onde me sento?

Procurou a poltrona mas não tinha encosto.
Descansou o seu corpo no chão entapetado.
Pregou o olhar no tecto e mais no texto
(o contexto era uma incógnita e nem existia)
Agarrou-se com força à situação,
cravou-lhe as unhas,
colou-se a ela como a sombra ao muro.
Mas tudo foi em vão.

A parede avançou e ela atravessou-a.
E fez-se então um turbilhão de fumo.
Um tornado sugou um infantário.
Uma aurícola estoirou.
Um trovão acordou para atingi-la (a ela!).
A sala em que estava era um latejo monocorde.

Mas Sara observou tudo com olhar tranquilo
e disse para si que aborrecido!

Juntou a indiferença à compostura
caminhou devagar
olhando para a frente.
Meteu primeiro as mãos,
logo a cabeça
e só depois o corpo dando um passo.

Atravessou a parede e viu-se fora.

No exterior viu de cima o labirinto.

E então sorriu,
lançou um beijo para o ar, traquila,
disse joguemos!
e voltou a entrar." (1)

eugénio outeiro



(1) OUTEIRO, Eugénio - Sara no labirinto. Sítio. Torres Vedras. ISSN 1646-1355. Nº 2 (Janeiro 2006), pp. 4-5.

4 comentários:

Ana Eugenio disse...

obrigada :) e tu uma prosa poética.
tudo de bom.

Arábica disse...

Muito bom.


Um beijo, boa semana!

Paula Raposo disse...

Que beleza de poema! Eu não conhecia este Poeta. Obrigada. Beijos.

jorge vicente disse...

é maravilhoso, não é, paula?

grandes abraços
jorge